segunda-feira, março 23, 2009

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Involuntary

Naquele momento ele estava parado com os braços cruzados sobre o parapeito da janela. Os cotovelos ultrapassavam sua linha dos ombros em altura, mas seu queixo estava confortavelmente apoiado sobre as costas da mão direita, que estava sobre a esquerda. Precisava manter o rosto voltado para cima para ver o LáFora. Tinha cinco anos e assistia andorinhas coreografarem qualquer coisa. Estava no oitavo andar, o céu tinha algumas nuvens e, mais tarde, ele esperava ganhar seu microscópio. Ele tinha cinco anos e pediu um microscópio. Era obviamente um poeta, mas os despreparados o apelidaram de Cientista. Acho que ele não se incomodou com isso. Não consigo descrever sua roupa - e ele certamente não se ofenderia se soubesse que esqueci de alguns detalhes importantes como esse.

O microscópio chegou e ele fez questão de examinar a própria saliva - entre outras coisas. As outras crianças brincavam com suas massinhas ou carrinhos. Ah, sim: era Natal e neste dia memorável ele foi obrigado a emprestar seu presente revolucionário a adultos e primos, sentiu ódio por isso e chorou em silêncio.

Na manhã seguinte, com a casa mais calma, levou seu microscópio até a mesa. Após mirar cuidadosamente, cuspiu lindamente (como só uma criança de cinco anos ou menos pode fazer) numa lâmina de exame. Não conseguiu acertar o centro, mesmo assim colocou sob a lente - a mais potente aumentava 900 vezes o tamanho - e tentou acender a lâmpada. Não funcionou. Haviam acabado com a pilha.

Agora está na sacada de outro prédio. Está chovendo e ele tem 25 anos. Não tem mais o microscópio, mas as olheiras denunciam que a péssima educação não conseguiu destruir o interesse com o invisível. Não conseguiu destruir quase nada porque ele sabe que escondeu as coisas, tanto e tão bem que ainda procura por algumas. Está olhando. Não há andorinhas. Anoitece e as luzes amarelas dos prédios misturam-se a um belo azul-sei-lá-o-quê-escuro ao fundo, enquanto as gotas de chuva passam rapidamente diante dos seus olhos grandes, rasgados e castanhos, e assim desfocam levemente a imagem. Está sozinho e não vê mal algum nisso. A caixa de som toca M.Ward, mas ele não escuta. Não porque não goste, acha mesmo o M.Ward um grande artista. Mas agora, enquanto a chuva desfoca tudo, sua cabeça está cheia de coisas que ele não disse, e são apenas elas que ele consegue ouvir nesse instante.

Enquanto isso na sala, M.Ward canta para ninguém:

" And when the phone has lost it's bell
And the doorbell has lost it's sound
You're only hearing your heart pound
It's involuntary"
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